Foto colorida de labareda e ao fundo árvores mais a silhueta de um bombeiro tentando apagar o fogo
Focos de incêndio aumentaram no Cerrado, que responde por 91% do Matopiba | Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Conhecido como a Savana brasileira, o Cerrado  soma 91% do território do Matopiba, maior fronteira agrícola em expansão no Brasil. Como se não bastasse o desmatamento para a implantação de lavouras de soja e milho, entre outras commodities, o bioma agora enfrenta outra grande ameaça: o fogo. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) , o número de focos de incêndio em setembro deste ano mais que triplicou em comparação a 2023.

Um número de 54.298 incêndios atingiu o bioma desde o início de setembro,  ultrapassando o total de focos registrados durante os doze meses de 2023, quando foram registrados 50.713 incêndios.

Segundo Humberto Barbosa, pesquisador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis), da Universidade Federal de Alagoas (Ufal),  a maioria das queimadas que produzem incêndios florestais têm o seu início e focos provocados pela ação humana.

Além disso, o Cerrado vive a seca mais severa dos últimos 700 anos e fatores como o estado mais seco da vegetação e a baixa umidade do solo, somados à baixa umidade relativa do ar e às altas temperaturas provocadas pelos efeitos do aquecimento global, contribuem para que o ambiente se torne mais suscetível às queimadas. Contudo, o pesquisador destaca que apenas 2% dos incêndios são desencadeados por fatores naturais.

“Esses focos se dão muitas vezes por ações criminosas. O uso do fogo para limpar pastagens também pode ser a causa. Alguns cultivos se utilizam do fogo como forma mais econômica de manejo do solo, mas a prática acaba tendo custos muito altos do ponto de vista ambiental, sobretudo pela poluição provocada no ar. Também não podemos descartar a possibilidade de casos provocados por raios, ou bitucas de cigarro jogadas, ou em função de uma irradiação solar em cima de uma superfície que ganhe mais calor, mas estes últimos são casos com percentuais muito baixos de ocorrência”.

De acordo com a plataforma do Inpe que monitora por satélite os focos de incêndios florestais, de 1º a 31 de agosto de 2024 foram registrados nos Estados que integram o Matopiba:

  • Maranhão – 2.487 focos
  • Tocantins – 2.784 focos
  • Piauí – 873 focos
  • Bahia – 620 focos

O Matopiba tem 73 milhões de hectares em três biomas: Cerrado ( 66,5 milhões de hectares, o equivalente a 91% da área), Amazônia (5,3 milhões de hectares correspondentes a 7,3%) e Caatinga (1,2 milhão de hectares que ocupam 1,7%). Sendo reconhecida como área de franca expansão agropecuária pelo Governo Federal desde 2015, o Matopiba é uma porteira aberta para a devastação da Amazônia.

Denominado com as sílabas iniciais dos quatro estados que abrange – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, o Matopiba inclui 337 municípios e é apontado desde os anos 1980 como um celeiro mundial de commodities. Sobre a vegetação nativa e populações tradicionais desses três estados do Nordeste e um do Norte avançam plantações de soja, milho e algodão.

Impactos

Muitas são as perdas causadas pela propagação do fogo nas florestas do Cerrado. A biodiversidade sente, o ar, as águas e as pessoas. Vera Laisa,  pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), destaca que as queimadas no Cerrado trazem impactos profundos tanto ao Meio Ambiente quanto em comunidades locais. 

“O fogo pode impactar na perda da biodiversidade, especialmente porque o Cerrado é a Savana mais biodiversa do mundo, abrigando espécies únicas de fauna e flora. O fogo pode afetar também o equilíbrio ecológico, particularmente em áreas florestais mais sensíveis e em regiões de expansão agrícola, como no Matopiba. Além disso, os incêndios florestais podem estar associados ao desmatamento, impactando serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação do ciclo da água”.

As queimadas no Cerrado podem também afetar diretamente a segurança alimentar das pessoas, assim como comprometer a fertilidade do solo e a disponibilidade de água, que são essenciais para a produção agrícola de comunidades tradicionais, como quilombolas e pequenos produtores. “Os incêndios florestais representam uma ameaça direta ao modo de vida dessas populações, pois eles dependem dos recursos naturais do Cerrado para sua subsistência. O fogo descontrolado interfere também nas práticas de manejo sustentável que são fundamentais para a cultura e a tradição dessas comunidades, prejudicando assim sua relação com a Terra e a preservação do bioma”. 

Tecnologia e solução

Com o intuito de mitigar os impactos causados pelos focos de incêndios,  o Sistema Suindara, idealizado pelo Instituto Cerrados,  funciona como um Sistema de Alertas de Fogo e Desmatamento e desenvolve ações para a prevenção e combate à degradação de áreas de vegetação nativa. O programa usa uma tecnologia para coletar focos de calor e a partir de dados fornecidos pelo Inpe e pela Nasa, a tecnologia alerta sobre os números cadastrados e envia orientações sobre localização do foco de calor, distância e rota a ser percorrida.

“O Sistema Suindara funciona enviando alerta de focos de calor para aqueles agentes que são responsáveis pelo combate à prevenção ao fogo, geralmente brigadistas gestores de áreas protegidas,  lideranças de territórios tradicionais ou secretários de meio ambiente, por exemplo. O sistema capta esses alertas de foco de calor por meio de dados de satélite. E aí ele filtra esses dados para um território específico da qual a pessoa é responsável por dar uma resposta ao fogo e ao desmatamento também. A gente também tem dados de desmatamento. Então ele envia o mais rápido possível esses dados com o link indicando no mapa onde estão os focos de calor e  como uma pessoa deve checar e chegar ao local”, explica  Yuri Salmona, pesquisador e diretor do Instituto Cerrados. 

A plataforma se faz muito importante no combate aos incêndios florestais por ajudar a diminuir o tempo de resposta ao fogo, e assim diminuir a área queimada. O sistema traz mais assertividade e qualidade à operação porque diz onde aconteceu, que horas o incêndio começou e permite preparar melhor as pessoas no acesso e combate ao fogo. 

O pesquisador recomenda ao público em geral que ao identificar um foco de incêndio na sua região ou na sua propriedade,  deve-se  procurar as autoridades locais responsáveis pela gestão do fogo, assim como órgãos competentes como Secretaria de Meio Ambiente, que  geralmente possuem equipes de brigadistas. 

O Sistema Suindara também trabalha com uma série de estratégias na cadeia do combate ao fogo não programado e a prevenção. “A gente também leva equipamentos aplicados,  levamos capacitações por meio de cursos e também trabalhamos a sinergia entre diferentes atores locais que atuam no combate ao fogo. Isso acaba reverberando também na educação na comunidade”. 

Projeto ma.to.pi.ba.

Este conteúdo faz parte do Projeto ma.to.pi.ba., uma ação multimídia da Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Com início em janeiro de 2024, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio. Ao mesmo tempo em que aborda os problemas socioambientais, a iniciativa multimídia aponta experiências que têm dado certo na região, seguindo a linha editorial de jornalismo de soluções adotada pela Eco Nordeste.

O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelas repórteres Alice Sales e  Camila Aguiar, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação, Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts; Adriana Pimentel a edição das newsletters; e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.

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